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Educadores no Piauí e Alagoas relatam assédio eleitoral por posicionamento nas eleições

Em Parnaíba, cidade na região Norte do Piauí, Maria*, educadora celetista de uma escola municipal, denuncia que foi exonerada do emprego por seu posicionamento político. A exoneração, que consta no diário oficial do município, segundo ela, foi uma retaliação a quem participasse de atos a favor de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas eleições deste ano. “A gestão aqui é (a favor) do Bolsonaro. E a gente não podia se manifestar de forma nenhuma. Quem se manifestou politicamente foi exonerado. É triste. É lamentável”.

Em Teresina, capital do Piauí, Joana*, professora que atuava há oito anos em uma instituição privada, foi demitida após expressar sua escolha política em uma rede social. À reportagem, ela revelou sua indignação por ter sido pressionada a excluir uma publicação no Instagram. A professora ignorou o pedido dos patrões por mensagem no WhatsApp e não quis apagar a publicação. Como consequência, ela diz que os donos da instituição decidiram demiti-la. 

Segundo a reportagem apurou, em várias cidades no Piauí, educadores efetivos, contratados e comissionados sofreram represálias, exoneração ou ameaças políticas por declararem apoio a Lula. É a primeira vez que essa quantidade de casos de assédios contra profissionais da educação é registrada na região, conforme informações apuradas com o Ministério Público do Trabalho e Sindicatos de Professores.

Em um mês de investigação, a equipe teve contato com mais de 20 professores de escolas públicas e privadas e docentes universitários do Piauí. Além das retaliações por se posicionarem favoráveis a Lula, os educadores relataram assédio por terem votado em candidatos a governador que não estavam de acordo com o desejo de gestores públicos ou diretores de instituições privadas.

Educadores sofreram represálias, exoneração ou ameaças políticas por declararem apoio a Lula

Uma eleição atípica no Nordeste

Nas eleições deste ano, o número de denúncias de assédio eleitoral no MPT disparou no Brasil. Enquanto em 2018, as denúncias envolviam 98 empresas, em 2022, foram 2.964, conforme a Procuradoria-Geral do Trabalho. Desse total, 498 no Nordeste.

O Ministério Público do Trabalho (MPT) no Rio Grande do Norte informou que há casos de servidores e profissionais da educação que sofreram assédio eleitoral no estado, mas que, por alguns desses processos estarem em sigilo, não é possível detalhar os dados. O órgão tem 49 procedimentos de investigação de denúncias desse tipo de coação, a partir de 70 denúncias. Já foram expedidas 84 notificações requisitórias e 44 recomendações a empresas privadas e órgãos públicos acusados por má-conduta junto aos seus trabalhadores. 

O MPT em Pernambuco informou à investigação que, até o dia 15 de novembro de 2022, recebeu 65 denúncias de assédio eleitoral no estado. O número de empresas denunciadas até a mesma data chegou a 54, sendo Recife a cidade com maior quantidade de casos. Há denúncias nos municípios de Bezerros, Cabo de Santo Agostinho, Camaragibe, Carpina, Cupira, Caruaru, Gravatá, Igarassu, Itambé, Jaboatão dos Guararapes, Jurema, Paulista, Pedra, Pesqueira, Petrolina, São Bento do Una e Serra Talhada.

Já o MPT no Ceará esclareceu que não há registro de denúncia de assédio eleitoral envolvendo “prefeito”, “prefeitura” ou “município”.

O MPT em Sergipe argumentou que não há qualquer notificação de casos envolvendo educadores.

Educadores denunciam assédio de prefeito no Piauí

Em Parnaíba, no Piauí, educadores denunciaram assédio eleitoral para votarem em Jair Bolsonaro, apoiado pelo prefeito Francisco Souza, mais conhecido como Mão Santa (DEM). Em contato com a assessoria de comunicação da Secretaria Municipal da Educação de Parnaíba, o órgão apenas se restringiu a informar que nunca soube de casos desse tipo na gestão do atual prefeito. E que quase 100% dos professores que atuam nas escolas municipais são efetivos.

Mão Santa é uma figura emblemática no Piauí. O prefeito de Parnaíba inaugurou em 2020, uma placa em homenagem à visita do presidente Bolsonaro ao município. Na placa, há os dizeres: “líder ungido por Deus”, “que livrou o Brasil do comunismo e da corrupção”. Em 2022, Mão Santa reafirmou apoio e compromisso com a reeleição do presidente Jair Bolsonaro (PL).

Além de Parnaíba e Teresina, o município de Buriti dos Lopes no Piauí também teve casos de assédio eleitoral. Ana*, professora municipal há doze anos, conta que foi assediada e coagida por diversas vezes pelo secretário municipal de Educação, Fernando Liberato, por intermédio do gestor municipal. “O secretário chegou a me dizer em ligação: ‘Reconsidere seu voto. Sei que você vota em Lula. Mas vamos votar nos candidatos do prefeito e votar em Bolsonaro. E ainda me mandou um santinho pelo WhatsApp”.

O secretário municipal de Buriti dos Lopes negou qualquer envolvimento com denúncias de assédio eleitoral. “Eu nunca me envolvi com política. É a primeira vez que ouço meu nome envolvido nessas coisas. Isso deve ser coisa da oposição”.

Denúncias de coação e ameaças no Alagoas

Localizado a 25 Km de distância de Maceió, o município alagoense de Rio Largo tem registros de servidores, incluindo profissionais da educação, que denunciaram assédio e coação nas eleições de 2022. Conforme informações do Ministério Público do Trabalho (MPT) de Alagoas, o prefeito Gilberto Gonçalves, do Partido Progressistas, teria pressionado servidores públicos a votarem em Jair Bolsonaro (PL). Segundo a denúncia, as vítimas foram intimadas a participarem de eventos nos dias 29 e 30 de outubro para pedir votos e apoiar Bolsonaro e o candidato ao Governo de Alagoas, Rodrigo Santos Cunha.

O órgão ajuizou uma ação civil pública na 5ª Vara do Trabalho de Maceió no dia 29 de outubro, determinando que o prefeito de Rio Largo não cometa mais assédio eleitoral junto aos servidores públicos municipais. Em caso de descumprimento da ordem judicial, o político terá de pagar uma multa de R$ 50 mil por infração cometida.

Em contato com o MPT, a presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Educação da Regional de Rio Largo, Rosiéle Costa Guimarães, informou que teve conhecimento de reuniões realizadas entre o prefeito e os servidores nas escolas municipais para fins eleitorais, da perseguição aos trabalhadores e da convocação deles para participarem de passeatas, coagindo-as votar em seus candidatos. A presidente do sindicato argumenta que o prefeito teria ameaçado quem não participasse da manifestação. A ameaça também teria ocorrido contra quem se fizesse presente em atos a favor de Lula.

“Na última semana para o segundo turno, os servidores relataram sobre transferências de servidores efetivos e demissão de servidores contratados, caso não votassem no candidato do poder executivo (Jair Bolsonaro). Houve relatos também das escolas que foram ameaçadas de perder benefícios caso o presidente perdesse as eleições. Infelizmente, os servidores da educação temem represálias do prefeito. O Ministério Público o multou, mas nada o inibe, ele tem postura de ditador”, lamentou Rosiéle.

Além de professores, vigias, zeladores, merendeiras e outros servidores contratados e celetistas disseram terem sido ameaçados pelo prefeito de Rio Largo. No entanto, muitos profissionais não querem relatar o assédio ao MPT por receio de não conseguirem novas oportunidades de trabalho ou sofrerem novas ameaças.

Diante das denúncias, o Ministério Público do Trabalho de Rio Largo, aplicou uma multa de R$ 50 mil por infração cometida. De acordo com a liminar, Gilberto Gonçalves está impedido de adotar qualquer conduta que, por meio de assédio moral, discriminação, violação da intimidade ou abuso de poder diretivo, intente coagir, intimidar, admoestar e/ou influenciar o voto de quaisquer de seus servidores nas eleições para todos os cargos que ocorrerão neste domingo.

Convém mencionar que Gilberto Gonçalves foi preso em agosto deste ano pela Polícia Federal (PF) na Operação Beco da Pecúnia, que investiga desvios de recursos federais da saúde e da educação. Após a prisão decretada, a esposa do prefeito, a vice-prefeita Cristina Gonçalves assumiu em seu lugar. Gilberto Gonçalves foi afastado do cargo a pedido do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, mas voltou a assumir no início de outubro.

Gilberto Gonçalves foi denunciado por coagir profissionais da educação para votarem em Bolsonaro e no candidato ao governo de Alagoas, Rodrigo Santos Cunha (União Brasil)

Reportagem da Agência Pública de julho deste ano revelou que o prefeito de Rio Largo — aliado político do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP) —, teria desviado dinheiro da Prefeitura usando empresas de fachada. O município recebeu mais de R$ 15 milhões em emendas do orçamento secreto apenas em 2021.

Educadores de escolas privadas também denunciam assédio

A cidade alagoana Arapiraca, localizada a 128 Km de Maceió, também teve registro de coação e intimidação de professores por parte da direção de um colégio privado. Uma fonte em off informou que a direção fez ameaças diretas e indiretas, e que professores ficaram receosos de se expressarem nas redes sociais e serem demitidos, no segundo turno das eleições deste ano. Após denúncias sobre a situação na escola, o Ministério Público de Alagoas publicou no dia 10 de outubro, a Recomendação de nº 6874.2022, para que a diretora da escola, Lusineide Afonso de Almeida respondesse imediatamente.

Entre as recomendações do MPT, está que a direção da escola privada deve se abster imediatamente de ameaçar com desvantagens pessoas que buscam trabalho ou possuam relação de trabalho (empregados, terceirizados, estagiários, aprendizes, entre outros) em troca do voto em candidatos ou candidatas de preferência da direção. E não mais ameaçar, constranger ou orientar pessoas a votarem no candidato que a direção deseja, além de veicular em até 24 horas do recebimento da recomendação, cartaz, banner ou vídeo em todas as redes sociais, para informar a todas as pessoas quanto ao seu direito de escolher, conscientemente e livremente, candidatos e candidatas a cargos eletivos.

Sobre as denúncias, Lusineide Afonso de Almeida alega que não obrigou ninguém a votar em quem preferia. “Não tenho nada a declarar. Fico triste, porque tenho 70 funcionários para saber quem foi, é difícil. Não fiz nenhuma reunião, nem ameacei ninguém. Não pedi voto a ninguém, apenas falei que votava em um candidato e que cada um fizesse uma reflexão em quem queria votar e que o nosso país estava nas nossas mãos. O voto é secreto, porque o voto é em quem quiser. Em nenhum momento, ameacei funcionário, não tenho esse perfil de pedir para votar em candidato A ou B. Essa foi uma eleição bem diferente e tumultuada. Então, espero que a pessoa que fez a denúncia tome consciência de si e vida que segue.”

Em nota, o Ministério Público de Alagoas informou que recebeu 61 denúncias de assédio eleitoral no estado, sendo cinco relacionadas à educação. Dentre as cinco, duas são instituições de ensino particular (um colégio e um curso de línguas estrangeiras), uma escola pública estadual e duas gestões municipais que teriam assediado servidores da educação.

Sobre os casos de assédio eleitoral em Alagoas, o presidente do Sindicato dos Professores (Sinpro/AL), Eduardo Vasconcelos, afirmou que os encaminha aos órgãos competentes e fiscalizadores como o MPT. “Soubemos de casos de assédio de professores que foram coagidos e demitidos. Tivemos várias denúncias não só na capital, mas no interior também”.

Presidente do Sindicato dos Professores (Sinpro/AL), Eduardo Vasconcelos relata que soube de vários casos de assédio eleitoral contra educadores

Funcionário demitido por assédio eleitoral pode conseguir cargo de volta

“Isso tudo é novo. A gente nunca tinha recebido esse volume de denúncias. Em 2018, o Ministério Público do Trabalho não recebeu nenhuma denúncia de assédio eleitoral. Mas na eleição de 2022, já contabilizamos 44 denúncias no Piauí”, diz o procurador-chefe substituto do Ministério Público do Trabalho do Piauí (MPT-PI), Carlos Henrique Pereira Leite.

Procurador-chefe substituto, Carlos Henrique Pereira Leite alega que há subnotificações de assédio

O procurador esclarece que se um educador for exonerado do seu cargo por assédio eleitoral, ele pode retornar se for comprovado que foi uma dispensa discriminatória pela vertente da opinião política do servidor. “Quando a denúncia chega, abrimos um procedimento e encaminhamos à Promotoria Eleitoral, porque além de ser assédio eleitoral, de cunho trabalhista, também é um crime eleitoral. Se for o caso de uma denúncia envolvendo um prefeito ou secretário, isso é configurado como uma improbidade administrativa, que pode ocasionar no futuro, suspensão dos direitos políticos e sanções específicas”.

Como denunciar assédio eleitoral

Denúncias de assédio eleitoral nos locais de trabalho podem ser feitas anonimamente, pelo aplicativo MPT Pardal, disponibilizado pelo Ministério Público do Trabalho. O aplicativo pode ser baixado gratuitamente nas lojas de aplicativos. O usuário poderá incluir as informações da denúncia, inclusive inserir fotos e vídeos que possam auxiliar nas investigações.

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