Dois dias após recusar um pedido feito pela Agência Pública por meio da Lei de Acesso à Informação, o STF (Supremo Tribunal Federal) divulgou à imprensa nesta quarta-feira (25) uma série de vídeos que documentam a invasão e a depredação da sede do tribunal por golpistas bolsonaristas na tarde de 8 de janeiro. Pedidos semelhantes feitos pela Pública ao Palácio do Planalto e ao Congresso continuam sem resposta.
O Planalto divulgou até agora apenas oito minutos de um total estimado de 1h45min de duração de todo o ataque. As imagens poderão ajudar a elucidar o papel dos militares do GSI (Gabinete de Segurança Institucional) e do BGP (Batalhão da Guarda Presidencial) no momento dos ataques.
No último dia 10, a Pública solicitou ao STF acesso à íntegra das imagens captadas por câmeras externas e internas do STF no dia 8. Nesta segunda-feira (23), o STF negou o pedido sob o argumento de que seria “uma informação protegida”, conforme previsto numa resolução interna do tribunal, de número 657/2020. O tribunal disse que as imagens seriam “de caráter reservado e não poderão ser fornecidas a terceiros”. Reiterou que “não podemos fornecer os dados solicitados”.
Nesta terça-feira (24), a Pública recorreu da decisão do STF. Na quarta-feira (25), divulgou texto questionando a retenção dessas imagens.
No recurso, a Pública enumerou cinco motivos para a liberação das imagens
“1-Uma Resolução administrativa – que aliás trata de assunto totalmente diferente do tema da transparência, dispõe sobre aspectos da segurança no STF – não pode e não deve se sobrepor à Lei de Acesso à Informação. Caso contrário, a Esplanada dos Ministérios adotará massivamente tal entendimento. Bastaria a qualquer órgão público criar sua própria Resolução a fim de afrontar o espírito e o alcance da Lei de Acesso, tornando-a verdadeira letra morta;”
“2-A Lei de Acesso à Informação não prevê, de modo algum, que uma informação considerada ‘reservada’, conforme citado na Resposta acima, não deva ser divulgada. Pelo contrário, a Lei de Acesso exatamente prevê um prazo máximo de 5 anos a partir dessa classificação. Isto é, a resposta do STF revela não compreender o sentido e o conteúdo da Lei de Acesso à Informação. O prazo vale se a informação foi classificada dentro do grau de sigilo. Se a classificação não ocorreu, a liberação é imediata, dentro do conceito de que a publicidade é a regra, e o sigilo é a exceção;”
“3-A expressão utilizada na resposta, ‘caráter reservado’, inexiste em todo o corpo da Lei de Acesso à Informação;”
“4-Mas vamos por um momento considerar, apenas a título de exercício argumentativo, que a Resolução possa ser superior à aplicação da Lei de Acesso, o que não é. Pois bem, a resposta do STF desconsiderou o restante do artigo citado da própria Resolução. Ele diz, em seu parágrafo único: ‘Excepcionalmente, mediante solicitação à SEG e autorização do Diretor-Geral, poderá ser facultado o acesso às imagens gravadas pelo CFTV quando não comprometer a segurança institucional do Tribunal’. Ou seja, a própria Resolução não proíbe a divulgação, fala em casos excepcionais sem explicar quais seriam esses casos. O solicitante entende que o interesse público manifesto, gerado pelo ataque golpista inédito na história do país, se reveste plenamente da condição de ‘excepcional’;”
“5-Caso prospere, a não divulgação pública das imagens captadas pelo equipamento adquirido com recursos públicos dentro de prédio público contraria fortemente o interesse público. Sabe-se que tais imagens revelam o rosto, a vestimenta, a indumentária, enfim, trazem informações essenciais a respeito dos vândalos golpistas que atacaram o Supremo. Uma vez divulgadas de forma transparente, acolhendo os princípios da Lei de Acesso à Informação, tais imagens deverão circular fortemente entre milhões de brasileiros, o que vai facilitar sobremaneira a própria investigação desencadeada pelo STF e pela Polícia Federal. De outro modo, diga-se que a não divulgação acaba protegendo justamente os autores do ataque. Por exemplo, a divulgação do rosto de um vândalo no prédio do Palácio do Planalto, feita primeiramente por emissoras de TV a partir da liberação feita pelo Governo Federal, levou à identificação do homem, que acabou preso nesta segunda-feira (23) na cidade de Uberlândia (MG). Ou seja, não divulgar as imagens desse que é um dos piores ataques à democracia na história do país funciona justamente como uma proteção aos vândalos, o que nós queremos crer que não é o objetivo nem do STF nem de sua Secretaria de Segurança.”
Como demonstração de transparência, a Pública divulga na íntegra e sem cortes todas as imagens divulgadas até agora pelo STF, Planalto e Congresso Nacional em nosso canal do Youtube. No caso do STF, são 23 vídeos de câmeras internas e externas, além de imagens, que foram disponibilizadas pela corte – os vídeos ainda estão sendo carregados em nosso canal, mas parte deles já está disponível.
Além de desvendar a dinâmica das invasões, as imagens podem auxiliar, uma vez disponibilizadas ao público, na própria investigação realizada pela PF sob acompanhamento do STF. Na última segunda-feira (23), por exemplo, foi preso em Uberlândia (MG) Antônio Cláudio Alves Ferreira, 30, suspeito de ter sido o homem que derrubou um relógio histórico durante a invasão golpista. Sua identidade só veio à tona porque uma pessoa assistiu às imagens no programa “Fantástico”, da TV Globo, e disse que conseguiu reconhecê-lo. Essa fonte anônima telefonou para o jornalista Cristiano Silva, que divulgou a informação em seu blog Goias24Horas.